Fim da incidência do Imposto de Renda sobre a pensão alimentícia

Por Jean Felipe Leal Kosiba*

 

O Direito está em constante revisão e transformação, seja para se adequar às mudanças da sociedade, seja para preencher as lacunas ou sanar as imperfeições ou ambiguidades das leis. E é por isso que, desde o dia 23 de agosto de 2022, não existe mais a incidência do Imposto de Renda sobre os valores recebidos a título de pensão alimentícia.

Antes da data mencionada, o alimentando, ou seja, o beneficiário, era tributado pelo Imposto de Renda. Isso mudou com o advento da ação direta de inconstitucionalidade 5.422 proposta pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), que buscou declarar inconstitucional o disposto nos artigos 4º e 46 do Anexo do Decreto nº 9.580/18, no artigo 3 º, § 1º, da Lei nº 7.713/88, e nos artigos 3º, caput e § 1º, e 4º do Decreto-lei nº 1.301/73. Estes dispositivos traziam a previsão da incidência do Imposto de Renda sobre verbas alimentícias, o que mudou já que a maioria dos ministros votou de acordo com o relator, o ministro José Antonio Dias Toffoli, que buscou dar interpretação constitucional aos dispositivos citados.

Para conseguir comprovar a inconstitucionalidade, o autor da ADI 5.422 precisou abordar alguns pontos importantes, dos quais, três chamam mais a atenção. O primeiro ponto é que os valores recebidos a título de pensão alimentícia estão intimamente atrelados aos princípios da dignidade da pessoa humana, logo, eles integram o mínimo necessário para a sobrevivência digna do alimentante. Assim sendo, qualquer valor retirado ainda que em sede de encargo tributário estaria reduzindo o mínimo aceitável como digno.

Dessa forma, temos o segundo ponto importante a ser lembrado, ao demonstrar que os valores provenientes da pensão fazem parte do mínimo necessário para viver com dignidade, automaticamente exclui-se o caráter de renda dessas entradas, já que não se enquadram como ingressos positivos. E não sendo considerados como renda, esses valores deixam de ser tributáveis. 

Sendo assim, Toffoli entendeu que a pensão alimentícia não é renda, mas apenas entrada de valores. Para ele, é apenas um montante recebido e retirado dos rendimentos. Todavia, alguns ministros divergiram da ideia, uma vez que o conceito de renda trazido pelo artigo 153, § 2º, I, da Constituição Federal é muito amplo e que a expressão “universalidade” poderia abranger também os valores pagos à título de alimentos. Porém, esses ministros tiveram o voto vencido e prevaleceu o entendimento do relator.

Por último, temos a exploração do tema da bitributação. Essa foi a interpretação do ministro, tendo em vista que o valor já havia sido tributado no momento do ingresso no patrimônio do alimentante. Novamente, houve discordância por parte de alguns ministros que divergiram desse posicionamento, já que os valores pagos a título de pensão alimentícia são deduzidos da base de cálculo total. Nesse caso, a tributação acontecia apenas por parte de quem recebia a pensão.

Além da decisão do Supremo Tribunal Federal ter afastado a incidência do Imposto de Renda das verbas alimentícias, houve também a previsão de recuperação desses valores declarados. A restituição desse crédito diz respeito aos últimos cinco anos, ou seja, referente ao período que vai de 2018 a 2022.

A retificação deverá ser feita em dois passos. Primeiro, o contribuinte deverá retirar os valores referentes a alimentos dos rendimentos tributáveis. Segundo, deve-se incluir esse valor no campo “Rendimentos Isentos e Não Tributáveis/Outros”. Esse procedimento é simples, e pode ser feito pelo próprio celular via aplicativo.

Assim, se o valor do imposto a ser restituído aumentou, será feito um depósito da diferença na conta do contribuinte. Ou, se o valor do tributo reduziu, a quantia será devolvida por pedido eletrônico de restituição, através do PER/DCOMP Web para os exercícios de 2018 a 2021 e via PER/DCOMP para o exercício de 2022. 

No que diz respeito aos impactos financeiros, estima-se que os valores do atual exercício e dos cinco anos a serem restituídos vão impactar aos cofres públicos um prejuízo de R$ 6,5 bilhões, conforme mencionado pelos ministros em vários trechos do acordão dos embargos declaratórios da ADI 5422.

Por fim, ainda que o prejuízo aos recursos financeiros públicos seja significativo, a decisão parece acertada, principalmente nos casos em que o valor repassado ao beneficiário não supera o mínimo existencial, mostrando-se irracional o repasse de parte do valor à União.

* Jean Felipe Leal Kosiba, advogado comercial no escritório Motta Santos & Vicentini Advocacia Empresarial (OAB/PR 113.751).

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