Por Matheus Piccinin*
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal julgou improcedente a Ação Declaratória de Constitucionalidade n° 49. Resumidamente, foi determinado que o mero deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, na mesma unidade federada ou em unidades diferentes, não configura hipótese de incidência do ICMS.
À primeira vista, a decisão do STF parece ser apenas uma confirmação de seu entendimento já consolidado há muitos anos. Entretanto, tem causado grande insegurança jurídica aos contribuintes e aos Estados, especialmente, quanto aos créditos acumulados de ICMS e o seu (possível) estorno nas operações de transferência.
A diferença para as decisões anteriores do STF sobre a matéria é que a Ação Declaratória de Constitucionalidade é vinculante e tem efeitos erga omnes, ou seja, tem eficácia para todos, não afetando apenas as partes envolvidas no processo.
Pois bem. Além da declaração de inconstitucionalidade do trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular” (art. 12, I, da Lei Kandir), foi declarado inconstitucional o dispositivo legal que dispõe que “é autônomo cada estabelecimento do mesmo titular” (art. 11, §3°, inciso II, da Lei Kandir).
A autonomia dos estabelecimentos de um mesmo dono é extremamente relevante no que tange às obrigações acessórias, aos benefícios fiscais, bem como no planejamento tributário. A decisão genérica do STF não deixou claro se a inconstitucionalidade declarada seria total ou parcial, isto é, a Suprema Corte Brasileira precisa esclarecer que a autonomia é inconstitucional apenas quando se trata de transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular.
Surge-se, portanto, uma preocupação com um possível “estorno” de créditos de ICMS. Isso porque quando uma empresa possui créditos acumulados de ICMS realiza a transferência para outro estabelecimento do mesmo dono, de modo a esvaziar esses créditos, o que é permitido pelas legislações estaduais.
Assim, a decisão proferida na ADC 49 pode oferecer a interpretação de que há uma circulação de bens entre estabelecimentos da empresa, a qual, por não ser tributada, configuraria uma hipótese de não incidência do imposto.
Com isso, abre-se a possibilidade de incluir a transferência de mercadorias entre empresas do mesmo titular na regra do artigo 155, §2°, inciso II, da Constituição Federal, a qual determina que a isenção e a não incidência do ICMS não implica crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes e acarreta a anulação do crédito relativo às operações anteriores.
Entretanto, a decisão do STF também dá a entender que as transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte são consideradas movimentações internas, não caracterizando qualquer tipo de operação ou circulação, o que não enseja a cobrança do ICMS nem o estorno de créditos.
De qualquer forma, a perda da eficácia das legislações estaduais não é automática. Para que seja aplicada essa regra de “estorno de créditos”, os Estados da Federação precisam revogar suas leis que permitem a utilização desses créditos, através de um processo legislativo específico.
A Corte Suprema precisa esclarecer, em sede de embargos de declaração, as incertezas que surgiram com a decisão na ADC n° 49, bem como definir sobre a modulação dos efeitos da decisão, isto é, definir a partir de qual data a decisão produzirá efeitos no ordenamento jurídico brasileiro, o que traria mais segurança jurídica aos contribuintes, resguardando a validade das operações realizadas até a data do julgamento da ADC n° 49.
Se essas questões não forem resolvidas, haverá uma grande demanda do judiciário questionando créditos e débitos dos contribuintes. Em razão disso, as empresas devem estar atentas a essa decisão de esclarecimento do Supremo Tribunal Federal para deliberações futuras.
*Matheus Belisario Piccinin Soares – OAB/PR n° 100.229 – Advogado tributarista no escritório Motta Santos & Vicentini Advocacia Empresarial.